quarta-feira, dezembro 05, 2007

Novos rumos?


Um fato econômico e quatro outros de natureza política sugerem que o vento favorável que embala o governo Lula, desde a reeleição, pode estar virando.

São eles:

Os indicadores de que a crise do sistema de crédito imobiliário dos EUA se aproxima dos bancos de investimento, intensificando sua reverberação sobre a economia global;

A derrota de Hugo Chávez no referendo que permitiria sua perpetuação no poder;


A pesquisa Datafolha demonstrando que cerca de 65% dos brasileiros se opõe à eleição por mais de dois mandatos para quaisquer presidentes;


A antecipação da renúncia de Renan Calheiros;


O elemento desagregador que a chegada do ano eleitoral de 2008 impõe sobre a base de sustentação do governo.


A bússola dos políticos tem sempre como norte magnético o poder.
No Brasil, em que a maioria dos políticos é congenitamente governista e em que o povo elege políticos pelo seu carisma pessoal e não por programas de governo, a conjuntura favorável e o apoio popular a um governante são um agregador em torno do presidente da República. E vice e versa. Isto é, numa conjuntura desfavorável e a perspectiva de perda de força política do governante, a dinâmica que se estabelece é desagregadora e de deserção dos mercenários apoiadores do presidente.

A leitura de fatos econômicos feita recentemente, deve ser vista com ressalvas. No entanto, apesar da injeção de bilhões de dólares do FED nas empresas de crédito imobiliário e bancos norte-americanos não parece suficiente para conter o aparecimento de notícias sobre a reverberação da crise para além do setor afetado. Insinua-se um quadro de desaquecimento da economia dos EUA, com inevitáveis desdobramentos sobre as gigantescas compras dos norte-americanos no mercado mundial e brasileiro. Os sinais são, ainda, insipientes. Mas, suficientes para disseminar tensão e a conhecida cautela que caracteriza o comportamento conservador dos mercados ante o risco de perdas.

Já os fatos políticos listados na seqüência de itens acima são claramente desfavoráveis a Lula.

Hugo Chávez é (ou era) o "novo" farol da velha esquerda mundial. Seu sucesso repercuti além fronteiras da Venezuela. Seu fracasso, idem. A perspectiva de perpetuação de Chávez no poder com a eventual aprovação popular da reforma constitucional proposta pelo populista venezuelano abria perspectivas de que o mesmo pudesse vir a acontecer com Lula, ainda que sob outras circunstâncias. Se a conjuntura econômica permitisse a continuidade do apoio popular ao presidente, as possibilidades de aprovação de uma mudança na Constituição brasileira por plebiscito, no mesmo sentido do projeto de Chávez, ainda que não viesse a se concretizar no Brasil, exercia força agregadora em torno do presidente. E vice e versa.

Se a derrota de Chávez fosse apenas um fato isolado, por si só já seria uma balde de água fria no projeto continuista do PT. Mas, agregou-se à onda contrária à re-reeleição, a pesquisa Datafolha revelando surpreendente e expressiva maioria contrária à perpetuação de Lula no poder. Não é possível afirmar que os favoráveis à perpetuação de Lula no governo são apenas eleitores petistas. Mas, o percentual coincide com o "tamanho da base do PT" na sociedade brasileira.

O impacto agregado desses dois recados dos eleitores venezuelanos e brasileiros extrapola as fronteiras de ambos os países, já que Lula, embora ofuscado por Chávez, também é referência mundial das esquerdas. Mas, no "mercado interno", os dois fatos somados jogam, na conta de chegada das equações estratégicas dos jogadores do poder, o cenário de fim do poder do petismo sobre o governo brasileiro (não sobre a política brasileira). Com isso, a maioria gelatinosa dos políticos brasileiros passa a buscar outros nortes para suas bússolas. E os virtuais nortes magnéticos apontados por sucessivas pesquisas situam-se no campo da oposição, mais precisamente, apontam para o nome de José Serra.

A esse fator desnorteador da base de sustentação do governo, somam-se os inevitáveis conflitos de interesses que jogam, uns contra os outros, nas eleições municipais nos estados, companheiros de jornada no apoio a Lula em Brasília. Assim, o interesse pessoal de garantir bases locais de poder assume prioridade nos critérios de decisão dos políticos, especialmente num contexto em que a derrota de Chávez e a pesquisa Datafolha precipitaram sobre o tabuleiro político a perspectiva do fim do governo Lula.

Finalmente, tudo indica que os estrategistas de Lula erraram as contas sobre a dose e o timing das jogadas táticas que patrocinaram. Ao deixar fluir a tramitação de emenda da re-reeleição às vésperas da votação da CPMF, Lula apostou tudo de uma só vez. Talvez colha nada como resultado. Isto é, nem re-reeleição nem CPMF.

A surpresa causada pela renúncia antecipada de Renan Calheiros, contrariando o interesse de Lula, que queria o plenário que votará a prorrogação da CPMF contaminado pela disputa pela sucessão na presidência da Casa, sugere que Calheiros não executou apenas um recuo defensivo que priorizou apenas a preservação de seu mandato. Parece que o cardeal alagoano caiu atirando e quis introduzir um elemento desagregador na base governista no Senado; talvez fatal para a voracidade fiscal do governo. Não é despropositado avaliar que Renan Calheiros tenha comprado a avaliação aqui feita, de que o projeto de poder do PT passa por usar e descartar os oligarcas políticos com os quais se aliou para eleger Lula e governar.

Se essa leitura está correta, Calheiros não renunciou apenas à Presidência do Senado, mas desertou, sem assumir explicitamente, da base governista. E mais. Se mais aliados - especialmente Sarney - estão fazendo a mesa avaliação, é possível que os "aliados" comecem a sabotar o governo por dentro, já que lutam pela vida contra a ameaça representada pela cobiça dos petistas pelo poder. Ou seja, por precipitação e erros de avaliação, Lula pode ter sepultado a CPMF. E, sem a CPMF, Lula pode ter sepultado suas pretensões continuistas.


O artigo original é de de Paulo Moura,  publicado hoje pelo blog do Diego Casagrande. Foi editado pelo Freeman.



Um comentário:

Unknown disse...

Também acho cedo Free, mas as oligarquias que parasitam o poder já percebem que estão sendo descartadas. Serpentes como são defendem o próprio rabo. Em contra partida, nem Chavez e nem Lula desistiram de se perpetuar no poder, tudo depende do que Chavez irá fazer, louco como é pode tentar a força e se dar um tiro no pé, Lula vai aguardar na moita enquanto sua tropa prepara sua Assembléia Constituinte.
Quanto a CPMF, ela vai ser aprovada, só que como sempre o dinheiro não irá para onde deve ir e as coisas ficarão como estão.
Quem viver verá que livrar a América Latina do poder do Foro de São Paulo não será fácil e nem pelo voto