quarta-feira, setembro 24, 2008

Como defender o eleitor-contribuinte.


O presidente da Repúbli­ca enviou ao Congresso uma proposta de reforma do proces­so eleitoral vigente. Não acredito que vá resul­tar em melhoria alguma, pois, na realidade, neste Congresso os interesses dos eleitores-con­tribuintes pesam muito pouco. Para ser séria e honesta a refor­ma eleitoral teria de incluir a adoção do Orçamento im­positivo. Pode parecer a muitos que uma coisa não tem nada que ver com a outra, mas tem.

Na história do mundo, os go­vernos só existiram por conta dos tributos pagos pelos gover­nados. Entre a tirania e a demo­cracia, a diferença se revela na forma como o dinheiro é arreca­dado. Pode ser pela força, pela intimidação ou pode ser com a anuência dos contribuintes. Nos países que respeitam a li­berdade de seus cidadãos essa concor­dância se manifesta por inter­médio de representantes demo­craticamente eleitos. É a demo­cracia representativa.
Nela o povo exprime os seus desejos, revela as suas necessi­dades e exige a prestação de ser­viços públicos. Cabe a esses re­presentantes elaborar, anual ou plurianualmente, um plano de apli­cação desses recursos, sempre tendo em vista as exigên­cias dos eleitores-contribuintes.
Esses representantes deve­rão estudar os problemas, propor projetos, definir gastos e es­tabelecer limites para sua im­plementação. As receitas são identificadas, calculadas e fixa­das. As despesas são definidas. Discutidas e votadas, essas re­ceitas e essas despesas com­põem o Orçamento, que cabe ao governo executar. O Orça­mento tem força de lei. Lei é pa­ra ser obedecida, levada a sé­rio. As expectativas do povo ali es­tão. Suas exigências e suas von­tades se manifestaram na for­ma de como gastar os recursos hauridos da própria sociedade.

Fica muito claro, portanto, quão importantes e fundamen­tais, numa democracia repre­sentativa, são a elaboração, a discussão, a votação e a execu­ção do Orçamento. O povo ja­mais estará bem representado se, ao término do processo eleitoral, em que se es­colhe um prefeito e uma Câma­ra Municipal, um governador e uma Assembléia Legislativa, um presidente e um Congresso, tudo isso vai resultar em Orçamentos que são considerados apenas “autorizativos”. Então era tudo de brincadeirinha?
Não era para valer? Não era pa­ra ser respeitado? Só será obe­decido se o titular do Poder Exe­cutivo estiver com vontade? E, ainda por cima, é dado a ele o di­reito de mudar todas as verbas que quiser, com licença para gastar no que inventar?

Está mais do que na hora de aca­bar com essa farsa.
Dá pena ver o que está acon­tecendo com o povo brasileiro, iludido com uma série de sho­ws: etanol pra cá, biodiesel pra lá, cotas para negros, bolsa-fa­mília, pré-sal, nações indígenas dentro do País, créditos facilita­dos de forma perigosa. Mas, jun­tamente com tudo isso, a mais alta carga tributária do mundo!
O brasileiro não tem noção do quanto paga de impostos! O eleitor-contribuinte não tem a mínima idéia de quanto lhe é surrupiado o dia inteiro, desde que acorda até que apaga a luz para dormir. Paga na água, no gás, na luz, na gasolina, no ál­cool, no ônibus, no trem, na far­mácia, na padaria, no mercado, na compra do carro, na abertu­ra de um negócio, na viagem, na estrada, no livro, no aparelho de TV, no telefone, no esgoto, no teatro, no cinema, nas consul­tas, na escola, na faculdade, no trator, na Previdência, no plano de saúde, no seguro, enfim, até no ar que respira... Pois é tanto monóxido de carbono que ele acaba doente, e isso custa caro.

Tudo isso para quê? Deveria ser para receber, em troca, ex­celentes serviços públicos. Mas não é isso o que acontece. A maior parte desses recursos se esvai pelo ralo da burocracia ineficiente, pelas malandragens dos espertos, pela sustentação de projetos demagógicos, im­produtivos, pelos gastos pouco controláveis das autoridades de plantão. Infelizmente, verbas votadas com fins específicos são anuladas e transferidas para dar suporte às centenas de me­didas provisórias, quase todas sem relevância e sem urgência.
O ritual, no entanto, foi man­tido. Dentro dos prazos e cum­prindo as leis, os diversos Orça­mentos foram votados. Meses e meses de pura encenação. Estu­dos. Comissões. Sessões. Espe­cialistas. Técnicos. Tudo, tudo, sem a menor intenção de respei­tar a tão decantada representa­tividade republicana. O eleitor­-contribuinte, no Brasil, não pas­sa de um imprescindível figu­rante da comédia política.
Se a pretendida reforma pro­posta pelo presidente mantiver o Orçamento autorizativo, vamos continuar fingindo de democra­cia representativa. Tanto faz se o voto vai ser distrital, de listas ou proporcional. O essencial não muda.

Sem a adoção do Orçamen­to impositivo, que permite a real fiscalização do uso dos re­cursos arrecadados, não há democracia.
Trata-se de um risco. Na história do Brasil, a Inconfi­dência nasceu de uma revolta contra impostos injustos. No Brasil de ho­je, o imposto é alto, pesado e não retorna como serviço. O pior é que os recursos são apli­cados sem respeitar a vonta­de do eleitor-contribuinte, ex­pressa pelos seus represen­tantes, no infeliz Orçamento de mentirinha.

Por incrível que pareça, a reforma do processo eleitoral passa, antes, pela forma de execução do Orçamento. Essa, também diz diretamente respeito ao eleitor-contribuinte. Se nessa reforma tributária a carga de impostos não for diminuída e se, na reforma eleitoral, os re­presentantes do povo conti­nuarem sem o dever e o direi­to de elaborar um Orçamento para valer, nada feito. Tudo continuará como dantes nes­te quartel de Abrantes.


O artigo original é da professora e jornalista Sandra Cavalcanti. Está editado pelo Freeman.

3 comentários:

Unknown disse...

Oi Free, passei pra deixar um beijo!

Verdades Não Contabilizadas disse...

Caríssimo, voltamos a postar.
Grato pelo pé fincado na trincheira.
Ativos, combativos e operantes !
http://verdadesnaocontabilizadas.blogspot.com/

Saramar disse...

Freeman, confesso uma tristeza imensa diante desta realidade ilusória e terrivelmente pesada, cujo desfecho parece que será sempre a mesma coisa.
O país não tem mais estadistas, apenas falsos representantes cuja única intenção é se beneficiar às custas do erário.
Quem vota não sabe de nada. Quem sabe, ou está imobilizado pela avalanche populista ou está do lado dos ídolos de barro e lama.
Fico me perguntando sempre, quantas gerações ainda deverão passar para que a mudança comece a acontecer.

Gostaria de sua permissão para publicar este excelente texto no meu blog. Obrigada.

beijos
P.S. Ando sumida porque estou muito doente, apesar de já estar melhorando, mas ainda com altos e baixos.