terça-feira, março 04, 2008

A reforma que não reforma nada!


O governo brasileiro não sabe, mas, é certamente um seguidor incondicional do físico alemão Werner Heisenberg. Este fundiu a cuca dos seus colegas, em 1926, quando introduziu, na já difícil mecânica quântica, aquilo que ficou conhecido como o “princípio da incerteza”. A diferença é que Heisenberg apenas constatou que o próprio fato de observar partículas subatômicas criava uma incerteza insuperável em relação a elas. Já os governantes brasileiros, além de prolixos natos, têm como princípio usarem, propositadamente, a incerteza, como ingrediente, em seus métodos de trabalho.
É o que está acontecendo, mais uma vez, com essa denominada “reforma tributária”.
A incerteza começa no próprio fato. De que se trata? É uma carta de intenções? É uma proposta para discussão? É uma sugestão ao Congresso? É um projeto de lei? É um estudo para servir de base a um projeto de lei?
Não. Não é nada disso, e é quase tudo isso.
No entanto, o que temos é um esqueleto, um de balão-de-ensaio sobre eventuais soluções de antigos problemas, mais do que sabidos do sistema tributário brasileiro. E, previstos para funcionarem - se funcionarem - num prazo de oito a doze anos. Em tempo: o governo americano, recentemente, pôs no papel e enviou ao Congresso, em apenas três dias, medidas de desoneração fiscal no valor de US$ 150 bilhões. Ou seja, quando se quer, quando se tem vontade política de caminhar numa direção, as coisas acontecem. E, é óbvio que esta não é e, nunca foi a vontade do governo brasileiro.

O nosso sistema tributário contraria e atropela os princípios basilares de qualquer sistema tributário que se possa chamar de sério: a modicidade, a clareza e a estabilidade.
A tributação - diz a regra salutar - deve ser módica para que todos os contribuintes possam aceitá-la sem grande sacrifício financeiro e sem ceder à tentação de sonegá-la. Deve ser clara para que todo contribuinte, mesmo o menos instruído, possa entendê-la e saber como atendê-la. E deve ser estável, para que o contribuinte se habitue a cumpri-la sem sofrer torcicolos mentais para se adaptar a cada modificação.
É isso que a “reforma” nos oferece?
Não. Ao contrário, estamos cada vez mais distante disso. A modicidade só existiu nas épocas em que os governos eram totalmente ineptos na cobrança - a época da taxation with no exaction, diriam os americanos. Ainda hoje, há muito disso nos municípios que lançam o IPTU, mas não o cobram porque o prefeito não quer incomodar seus eleitores e prefere clamar por ajuda federal. Há cidades neste país onde até as sarjetas das ruas são obras do Ministério do Desenvolvimento (com direito a placa). E este é um outro problema: municípios e até estados criados sem possuírem autonomia financeira, condição que deveria ser essencial. Não, são criados para satisfazer barganhas políticas, aumentando os custos para a Nação produtiva.
Quanto à clareza, nem é preciso dizer que as legiões de despachantes, advogados e contadores deste país são devedoras de um monumento em praça pública, que rivalize com o Cristo do Corcovado, a ser erguido em homenagem ao “Burocrata Brasileiro” - esse diligente autor das leis, normas e regulamentos, que deixam todo mundo atarantado, mas que lhes garantem o ofício e os proventos.
No quesito instabilidade, o nosso sistema tributário certamente estaria entre os 10 mais instáveis do mundo. Perguntem a um uruguaio, argentino, ou americano quando ocorreu a última mudança no formulário de declaração do IR. Provavelmente, não se lembrarão. No Brasil, muda todos os anos e, quando não muda, as autoridades dizem que mudou só para confundir. A necessidade de mencionar o número do recibo de entrega da declaração do ano anterior - tida como a ''novidade'' deste ano, mostra o absurdo a que chegam os nossos burocratas para infernizar a vida dos contribuintes.

A ''reforma'' que o governo acaba de encaminhar ao Congresso, apenas consigna novos atentados aos bons princípios de um verdadeiro sistema fiscal. Provavelmente racionalizará, um pouco, a atual absurda e dispersa arrecadação – o que só beneficia o governo – mas, de fato, nos trará maior complexidade, maior instabilidade e, pode apostar, uma maior garfada no bolso dos contribuintes. Outra prova disso, é olhar a incógnita que é a base do novo IVA federal. Como ela, muitas das regras não estão definidas – propositadamente – que é, justamente, para manter os contribuintes na incerteza. E, no futuro, quando aprovada, poderão manipular alíquotas e outras variáveis ao seu bel prazer. Esta é a grande malandragem dos governos e seus corrompidos legisladores.

E vamos pensar: por que um governo imediatista, como o do presidente Lula - que está em campanha para ampliar sua base de aliados nas eleições municipais, deste ano - e que tem obtido assombrosos recordes de arrecadação, quereria uma reforma fiscal neste momento?
Pura encenação, pura balela!
Do jeito que foi proposta, a “reforma” não cria nenhum risco de balançar o andar da carruagem de Lula e a folgança financeira do seu governo. Só terá algum efeito - se tiver - daqui a muitos anos, quando o mundo e o Brasil forem outros.

Se quisermos ir ao âmago dessa questão, teremos que romper o ciclo de desiquilibrio de poder entre representantes e representados, entre contribuintes e gestores (ou usurpadores) do estado. De um lado temos os cidadãos-contribuintes, que apesar de quererem pagar menos impostos e desejarem receber serviços decentes do estado, não conseguem seus objetivos porque os seus representantes, via de regra, só pensam em locupletar-se â custa Estado. È um problema cultural, mais precisamente, de educação política e estrutura eleitoral.
O Estado é visto por uma grande parte da própria população, como fonte de salvação. Principalmente pelos menos capazes, pelos vagabundos por natureza e pelos larápios por vocação. Com um sistema de representação distorcido, e uma Justiça ineficaz, o país é um prato cheio para os desvios e os absurdos crescentes.
Ao cidadão só resta pagar.


O artigo original é do jornalista Marco Antonio Rocha. Está significativamente editado pelo Freeman.

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