terça-feira, março 22, 2011

Nossa tragédia ambiental silenciosa de todos os dias.


22 de Março: Dia Mundial da Água.

Outro dia estava lendo um jornal da Paraíba que dizia que 17% dos domicílios do Estado não tinham banheiro. Segundo a nota, são quase 180 mil paraibanos, despejando seus dejetos a céu aberto. Uma situação que, apesar de grotesca, é realidade comum para outros 13 milhões de brasileiros.

Isso me lembrou um texto do escritor Mario Vargas Llosa que afirmava que a privada, e não o telefone ou da Internet, deveria ser eleita o ícone da civilização. Tem toda razão o ilustre escritor. Ter ou não ter banheiro, por mais absurdo que pareça, ainda significa um divisor no mundo, uma autêntica parede desumana dividindo a dignidade entre mundo e submundo.

Vivemos um desastre ambiental diário e silencioso. Menos de 44% da população está ligada a uma rede de esgotos e desses, menos de 30% é tratado, segundo dados de 2008 do Ministério das Cidades. São bilhões e bilhões de litros de resíduos jogados in natura nos nossos rios, lagos e mar. Um poderosíssimo veículo transmissor de doenças, como mostrado pelo Instituto Trata Brasil em seu último estudoEsgotamento Sanitário Inadequado e Impactos na Saúde da População, realizado com dados das 81 maiores cidades do País (acima de 300 mil habitantes).

Pelos números levantados, as diarreias respondem atualmente por mais de 50% das doenças relacionadas ao saneamento básico inadequado, e em 2008 as dez piores cidades em taxas de internação responderam por 38% das hospitalizações por esse tipo de doença, mesmo sua população respondendo por apenas 9% do público pesquisado. E o pior de tudo, os resultados comprovam que o grupo mais vulnerável dessa tragédia são as crianças de até 5 anos.

Em 2008, foram 67,3 mil crianças dessa faixa etária internadas por diarreias, número que representou 61% de todas essas hospitalizações.

E, para mostrar que isso não é exclusivo daqueles que moram em áreas menos favorecidas, vale lembrar que, somente em janeiro deste ano, na Baixada Santista, em São Paulo, foram mais de 8.700 casos, muito disso fruto das fortes chuvas que alagam as redes de esgoto, espalhando a doença pelas cidades e praias.

Por essas e outras tragédias silenciosas que convivem conosco, o último Ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) divulgado em novembro pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) mostrou o Brasil na posição 73, entre os 169 países avaliados. Como o novo cálculo do IDH considera, entre outras coisas, os "anos esperados de escolaridade" e a "renda nacional bruta", os especialistas são unânimes em dizer que o país avançará no IDH se progredir, simultaneamente, na saúde, na educação e na renda. Como não poderia deixar de ser, a falta de coleta e tratamento dos esgotos afeta negativamente todos os três fatores, portanto ajudam a manter o Brasil longe em desenvolvimento humano.

O lançamento dos esgotos sem tratamento na natureza é um atentado ao cidadão, e um crime dos dirigentes do Estado. Os esgotos representam hoje o maior impacto ambiental às águas do País. É demagógico falar em "sustentabilidade", enquanto nossos cursos d’água forem vítimas da falta de coleta e tratamento dos esgotos, legítimo fruto do descaso e falta de prioridade política das autoridades públicas nas últimas décadas.

A solução para este desastre passa por todos os níveis de governo, mas, sobretudo dos prefeitos, responsáveis, segundo a lei que rege o saneamento. E, solução existe!

Cabe a todos nós o papel de reivindicadores ferozes da solução urgente deste problema, incompatível hoje com o papel que o Brasil pretende representar no mundo. Cabe também, um chamado urgente às entidades ambientalistas, para que pressionem os governos para solucionar essa tragédia nacional. Diferentemente dos temas que afetarão nosso futuro, os esgotos nos afetam hoje, poluindo nossas águas e adoecendo nossas crianças.


O artigo original é de Édison Carlos – Presidente Executivo do Instituto Trata Brasil. Está alterado e editado pelo Freeman.

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