segunda-feira, setembro 14, 2009

Independência de quem?




Com sutil razão, passou despercebida pela maioria dos brasileiros, na semana passada, a comemoração do 187ª ano da Independência do Brasil.

A razão é simples: trocamos a metrópole, Portugal, por Brasília e o imperador Pedro por imperadores temporários, mas aspirantes do poder absoluto...

Uma independência verdadeira pressupoe uma mudança de rumo, de atitudes, de hábitos, principalmente do comportamento do Estado. Seria de se esperar uma nova mentalidade dos governantes e dos políticos em geral - como ocorreu, por exemplo, nos EUA, onde a independência representou não apenas uma ruptura político-administrativa com a Inglaterra, mas a criação de um novo e criativo regime de governo, que daria prosperidade ao país e ao seu povo.

Aqui não houve nada parecido. O Império guardou para o futuro todo o conteúdo cartorial, burocrático, paternalista e paralisante do governo colonial. O Brasil deixou de ser colonizado por Portugal e passou a ser colonizado por seus governos...

E tivemos de tudo nesses 187 anos. Conspirações, golpes, tentativas de golpe, fraudes eleitorais, suicídio de frustrado ditador, regimes autoritários, etc.,etc..

Em resumo, uma péssima formação do regime do País, deformado pelo caráter menor dos que, por principio, deveriam zelar pelas mudanças que aprimorassem as insituições e beneficiassem a Nação.

Em primeiro lugar, apoderaram-se e expandiram o patrimonialismo, antes restrito ao imperador. Não satisfeitos, criaram e passaram a guiar-se pela máxima do: "tudo para os amigos e para os não amigos a Lei"; pela intencional complicação burocrática das leis e regulamentos, mesmo para as coisas mais simples, com o propósito de manterem os “súditos” na dependência dos favores do Poder, de qualquer poder, mesmo o do guarda da esquina...

Para manterem as mordomias, os roubos e os desperdícios, criaram a maior carga fiscal existente entre países semelhantes, mas com um pequeno detalhe: nãoqualquer contrapartida decente pelos impostos pagos... E, um Judiciário que anda a passos de cágado, de olho fixo apenas nos autos e cego para a Justiça; por partidos sem programas e sem projetos, aos quais ninguém segue e, por um Congresso que opera sempre dividido entre os sabujos do chefe e os bufões, mas nunca em função dos interesses da Nação e da sociedade.

Tudo isso foi herdado, alimentado e mantido. Nada foi extirpado pela Independência, nem pela República. Não houve nem independência de ideais!

Dos vícios e desvios, o mais cediço é o do "paizão": O GOVERNO.

Qualquer iniciativa, negócio, empreendimento, ideia, por mais importante que seja para os destinos do País, não prospera nem anda um milímetro, sem o beneplácito do imperador do momento, e se acontece, é sempre graças a um intermediário cujos "honorários" são tanto mais elevados quanto mais elevado ele se situe na corte ou nas boas graças do monarca.

perceberam que toda grande empresa privada nacional ou estrangeira que queira se instalar, ou que planeje algum novo grande investimento, a primeira coisa que faz é mandar o seu alto executivo para uma audiência com Sua Excelência o Presidente da República Federativa do Brasil?

Agora, você viu algum grande empresário brasileiro, que tenha negócios nos EUA, precisar visitar a Casa Branca e beijar a mão do presidente americano? É porque ali, para fazer negócios, basta seguir as normas e cumprir a lei. O rapapé não faz parte dos usos e costumes dos americanos, nem de outros povos razoavelmente civilizados...

Aqui o rapapé é imprescindível. Sem ele, sem o beija-mão e, na maior parte das vezes, sem o "engraxa" mãos, o negócio não sai, mesmo que perfeitamente dentro das normas e da lei... Eis toda a diferença entre uma democracia verdadeira e outra, que apesar do nome, das instituições e de toda liturgia formal, não funciona. É um enorme e caro engodo. É uma farsa para uma platéia de analfabetos que se contentam com as migalhas das mesas da corte. A não ser, obviamente, os amigos do rei...

Segundo o relatório Doing Business - 2010, do Banco Mundial, divulgado na semana passada, sobre 183 países, no quesito facilidade de criar negócios o Brasil está no 129º lugar, atrás da Colômbia, do Chile, do México, do Peru, do Panamá, de El Salvador, do Uruguai, da Argentina, da Costa Rica e... do Paraguai - para citar apenas nossos vizinhos.

E o Banco Mundial sabe bem o que diz, pois participa de negócios e projetos no mundo inteiro. Há alguns anos perguntei a um diretor do Banco Mundial por que obras públicas no Brasil eram mais caras do que na média até dos países da América Latina. Ele sorriu e disse: "São os 30%...", pedindo para não ser citado, obviamente. Outros dados do estudo: para sustentar o Fisco o empreendedor brasileiro médio trabalha 2.600 horas por ano. A média, na América Latina, é 563 horas. Número de dias necessários para abrir um negócio no Brasil: 120, contra 45,5 dias em média nos outros países da América Latina.

Tudo isso é herança da mentalidade colonial brasileira, que a Independência não mudou e que a República reforçou. E, cujos representantes, no Congresso e nos partidos, procuram preservar a todo custo, como mostrou, mais uma vez recentemente, a renhida tropa de choque política comandada pela dupla Sarney-Renan, com a prestimosa colaboração de Aloizio Mercadante, no episódio da Comissão de Ética (?).

E por que o empenho todo? Pelos bigodes do senador do Maranhão, aliás, Amapá? Nada disso. O valor daqueles fios não é o de antigamente. Foi para continuar governando o governo, para que a independência continue sendo apenas uma proclamação sem conteúdo, para que a recém-iniciada modernização do País se dilua e não contamine demais os carcomidos hábitos políticos. Tudo avalizado por um Lula que desistiu de "mudar tudo isso que está ", abraçou o "poder-pelo-poder", deu meia-volta volver e empreendeu marcha batida em direção ao que a República Velha tinha de mais velho.



A ilustração é de Jacek Yerka.

O artigo original A independência que ainda nos falta” é do jornalista Marco Antonio Rocha - está significativamente alterado pelo Freeman.






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