sexta-feira, outubro 26, 2007

A violência e a omissão do Estado.



Este é um assunto recorrente. Apesar da indignação geral, somos quase que impotentes e nos tornamos amorfos no cotidiano.
Um amigo me pergunta e, aproveito para reproduzir uma correspondência com o professor Miguel Reale, pouco antes dele falecer , em Abril de 2006.

Caro Professor Miguel Reale

Já há muito tempo desejo escrever-lhe para parabenizá-lo sobre seus artigos. Independentemente do assunto, eles sempre me pareceram objetivos, lógicos, repletos de civilidade e de bom senso.

Hoje, lendo o seu artigo: “A Violência e a Omissão do Estado” apesar de possuidor de todos esses atributos de excelência, não pude compartilhar com uma das suas conclusões, ou seja, de que a “exclusão social”, seria determinante como raiz da violência urbana. As outras: a omissão do Estado e a enorme influência da televisão no comportamento da sociedade posso concordar plenamente.

Não tenho dúvida, e concordo também que o perverso círculo vicioso da relação baixa educação / desemprego; das conseqüências sobre a incapacidade do Estado de prover os serviços básicos; e que as desigualdades sociais podem, em determinadas circunstâncias, criar ambientes de revolta.

Entretanto, no meu ponto de vista, o cerne da questão do aumento desproporcional da violência urbana têm outras causas.

As duas principais são: a escandalosa impunidade propiciada pela inoperância do Sistema Judiciário e o despreparo e corrupção existentes nas nossas Polícias.

Para reforçar esta conclusão, a estatística recente nos auxilia, em dois aspectos:
Primeiro, indicando que o poder de compra das classes C, D e E evoluiu significativamente nos últimos cinco anos, graças à estabilidade da moeda. E evoluiu apesar do crescente índice de desemprego na economia formal, no período 94/99. Isto é, a pobreza efetivamente diminuiu no Brasil, enquanto a violência cresceu exponencialmente.

Segundo, em outros dados, o Estado de S. Paulo ostentava, em 1999, o lamentável record de 203 mil veículos roubados. As companhias de seguro estimam que mais de R$ 500 milhões, em duas mil ocorrências, o roubo de cargas no país. Outros R$ 110 milhões foram roubados em portos, aeroportos em áreas de carga e transferência. E nesta rubrica, o Estado brasileiro vai além da omissão: é comprovadamente cúmplice nesse próspero negócio, com a participação ativa de funcionários da Polícia e da Justiça, conforme amplamente divulgado o ano passado.

A terceira referência estatística nos indica que apenas uma parte ínfima dos crimes cometidos é punido na forma da lei, o que significa que é a garantia de impunidade que gera o crime, e não a desesperada necessidade de sustento, como apregoam os políticos demagogos e os burocratas incapazes.

Além de exemplos significativos de ação de outros países que têm em muito menor grau a chamada “exclusão social”, uma consistente série de reportagens da jornalista Marinês Campos no ano passado, ajuda comprovar esta tese e aniquila “a velha lengalenga, politicamente correta, de que a violência reinante no Brasil não passa de um subproduto da miséria, agravada pelo desemprego inerente à globalização...” nas excelentes palavras do também jornalista José Nêumanne Pinto.

“O que produz o aumento assustador dos índices de latrocínio nas metrópoles brasileiras não é o impulso de matar a fome, mas o estímulo ao ganho fácil, quase sem risco. A explicação de que a violência resulta apenas da revolta provocada pela carência tem origem na falácia marxista de que a economia é mãe da política e da história, estando na raiz de tudo. O pai de família que desesperado vai a rua assaltar pode até existir, mas a soma dos que recorrem a este gesto extremo é insignificante estatisticamente. No entanto é muito mais cômodo continuar condicionando o crime à miséria, porque este é o melhor meio de evitar prestar contas da incapacidade do Estado de combatê-lo”.
Em resumo, este é o meu ponto de vista, caríssimo professor.
Entretanto, creio que temos um problema maior para combater a violência, seja qual for a sua origem.

Como executar seriamente políticas de combate à criminalidade quando esta está instalada nos poderes do Estado?
Milhões de reais são desviados, a cada ano, de suas finalidades públicas. Prevaricação, nepotismo, peculato, concussão, corrupção e até homicídios para ocultar provas e eliminar testemunhas são lugares comum nas entidades públicas brasileiras. Dos vereadores de São Paulo aos servidores do Judiciário de Mato Grosso, do Rio de Janeiro às Alagoas ou ao Pará... muito dos servidores públicos estão envolvidos em algum tipo de crime.
Como combater a violência eficazmente se o crime e a corrupção, além da ineficiência, estão arraigados nos órgãos que teriam obrigação de combatê-los?

A pintura é de Cândido Portinari "Criança morta" de 1944.

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