domingo, janeiro 07, 2007

Flores Murchas e Baionetas...







Uma lição da nossa História






Na manhã de 2 de Novembro de 1894, Prudente de Moraes desembarcou no Rio de Janeiro para assumir a presidência da República. Ao descer do trem que o trazia de S.Paulo, ele notou que não havia nenhum membro do governo para recepcioná-lo. Havia apenas um coreto vazio, com flores murchas que haviam enfeitado a estação de trem para receber uma comitiva de generais uruguaios que visitavam o Rio de Janeiro.
Prudente desceu do vagão acompanhado de sua mulher e dos filhos e foi saudado por uma única pessoa, Francisco Glicério, seu amigo e aliado político. Glicério o recebeu com um largo sorriso e uma pequena surpresa: “mandei preparar o almoço no Hotel dos Estrangeiros. Mas você é que pagará a conta” Prudente sorriu e foi caminhando até a porta principal da estação, onde pegou um trole alugado e partiu para o hotel.
A ausência das autoridades governamentais na estação foi proposital. Era um claro sinal de hostilidade política do então presidente Floriano Peixoto para com o seu sucessor. Esses dois homens representavam não apenas duas correntes políticas; eles retratavam visões antagônicas de como o Brasil deveria ser governado. Floriano, alagoano de Ipioca representava a república populista e autoritária. Tinha orgulho de ser o “Marechal de Ferro” e não relutava em usar o seu poder para subjugar os seus opositores, perseguir adversários e impor sua vontade pessoal. Dizia-se republicano, mas detestava a idéia de ver instituições governamentais – como o Congresso e o Judiciário – cumprindo o seu papel constitucional: o de limitar o poder do governo e coibir atos arbitrários dos governantes. Afirmava ser um democrata, mas acreditava que a “boa” democracia era aquela que as instituições legitimassem os atos arbitrários do governo. Os discípulos desta facção gostam de encarnar a imagem de um chefe patriarcal que pune as “elites”, zela pelos pobres e pretendem defender a Nação de inimigos externos – geralmente imaginários – como os países ricos e “imperialistas”.
O paulista Prudente de Moraes personificava a luta dos republicanos históricos para edificar um regime democrático e constitucional. Tinha sido deputado, senador e governador de S. Paulo; presidente da Assembléia Constituinte que promulgou a Constituição de 1891, e foi o primeiro presidente civil eleito na República. Sua luta pela institucionalização da democracia, sua determinação em defender as instituições, sua coragem em denunciar os atos arbitrários do governo e de romper com aqueles que desrespeitavam a Constituição, o transformaram em um perigoso adversário político dos florianistas. Estes, antes da chegada de Prudente ao Rio, confabulavam para tentar impedir o eleito de assumir a presidência da república.
Prudente de Moraes sabia que precisava agir com cautela, durante as duas semanas que antecediam a sua posse.Nomeou um ministério de republicanos moderados para não hostilizar o marechal. Mesmo assim isso não ajudou a diminuir a tensão política. Floriano continuava a hostilizar o presidente eleito. Recusou-se a conceder a audiência que Prudente havia pedido.
No dia da posse, não enviou sequer um carro para buscar Prudente de Moraes no hotel. Na manhã de 15 de Novembro ele tomou café no Hotel dos Estrangeiros, alugou um fiacre em péssimo estado, com um cocheiro mal enjambrado, e foi para o Senado, onde foi investido no cargo presidencial.
Prudente foi muito aplaudido na Senado pelos parlamentares, convidados e populares quando disse que pretendia restaurar a normalidade política. E nas ruas foi recebido calorosamente.
A recepção no Senado e nas ruas contrastava com a frieza no palácio Itamarati, então sede do governo federal. Floriano havia reservado um derradeiro desaforo ao presidente eleito. O marechal inventou uma desculpa e não compareceu à cerimônia, enviou o seu ministro da Justiça, Cassiano do Nascimento, para representá-lo na chegada ao palácio. Prudente se deu conta que o palácio Itamarati estava abandonado. Parecia uma casa mal assombrada, com poeira sobre os móveis, lixo pelos cantos, papéis rasgados pelo chão e, pior que isso, os estofos de alguns móveis que guarneciam os salões, rasgados a ponta de baionetas...
Prudente de Moraes, então, resolveu transformar o desaforo de Floriano em ato público. Mandou abrir as portas do palácio à multidão. Em pouco tempo fervilhavam de gente e de comentários, principalmente em torno das garrafas de cerveja vazias e dos estofos rasgados.
O estado deplorável do palácio do Itamarati e os desaforos do alagoano Floriano refletiram não só o menosprezo do governante para com as coisas públicas, mas o seu verdadeiro caráter.
Não existem estadistas virtuosos que na vida privada sejam imorais, autoritários e corruptos. Essa dissonância é insustentável e, em algum momento, a hipocrisia é revelada. A máscara entre o discurso e a conduta cai e, o político que parecia ser virtuoso, revela a sua verdadeira face.
Os políticos atuais (se lessem um pouco) poderiam aprender com a nossa própria história: caráter, virtudes pessoais e bom governo estão intimamente associados.

O texto original é de Luiz Felipe D’Avila, autor de “os Virtuosos” – estadistas que fundaram a república brasileira. Está editado pelo Freeman.

3 comentários:

Saramar disse...

Que lição, Freeman!
Inútil porém para quem não quer aprender.
Aliás, dignidade se aprende depois de não ser vivenciada?
Permite-me copiar um pedaço deste excelente texto para usar como epígrafe de um post para o Escrevinhações?
Obrigada

beijos

Santa disse...

Teus posts são excelentes, não sei porque demoras tanto a escrever...rsss

Bjs

Jorge Nobre disse...

Bem que eu gostaria de ler os virtuosos, se tivesse tempo.