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Uma das coisas mais infernais que nós cidadãos razoavelmente letrados e informados passamos é ter que ouvir as explicações dos ideólogos esquerdistas para seus próprios fracassos, enquanto governantes. Além de chegarem ao poder, via de regra, por meio de mentiras e da demagogia populista, tomam-nos por burros, beócios incapazes de enxergar a realidade. Em alguns casos, que parece ser o do ex-ministro Bresser Pereira, cujo artigo quero aqui comentar, acho que os beócios são eles mesmos e, incapazes de compreenderem a realidade política, passam a fazer uma xaropada de discursos incompreensíveis e incompatíveis com a realidade que se apresenta ao observador. Essa gente como que flutua fora do tempo e do espaço, qual fantasmas. O mito da caverna de Platão dá bem a medida de como eles percebem as coisas, como sombras que vêem invertidas e que não conseguem compreender, mas insistem em nos explicar com a sua visão distorcida.
Antes de entrar no texto propriamente dito, quero aqui sublinhar os pressupostos que estão na cabeça dos intelectuais esquerdistas, que os faz de esquerda enquanto tal:
1- Ser de esquerda supostamente ser bom, é chique e estar de acordo com a busca do bem-comum. Por exclusão, ser de direita é supostamente todo o seu oposto;
2- As teorias econômicas e sociológicas que usam são aplicáveis e o supremo bem é a arbitragem da distribuição de renda, via Estado. Esquecem que suas teorias são impraticáveis e, se postas a funcionar, destroem qualquer país. A História está aí para quem quizer comprovar. Esquecem também que as leis econômicas existem a despeito das ideologias e administrar, por exemplo, moeda e câmbio, ou seja, os preços, só pode ser feito de uma única maneira, sendo a alternativa o desastre;
3- O socialismo é um ideal que pode não ser alcançado agora, mas deve ser uma meta permanente a alcançar, como se fosse o supremo bem. Esquecem que socialismo, em qualquer grau, é a desgraça da raça humana, pois castra a liberdade individual nivelando todos por baixo e concentrando na mão de poucos burocratas o poder de decidir o que é bom ou não para você;
4- Por fim, o auto-engano mais espetacular, que é achar que o não cumprimento do engodo que são suas promessas de campanha eleitoral é tornar-se de direita. Uma ova! Ser de direita consiste em ir mais além do que respeitar as leis econômicas fundamentais: é ser liberal em matéria econômica – reduzindo efetivamente o Estado e garantindo a liberdade de produção e comércio – e conservador em matéria jurídica e de costumes, coisas que a esquerda abomina.
Num artigo publicado em 8 de Janeiro, na Folha de São Paulo (“O paradoxo da esquerda”) Bresser Pereira, candidamente, afirma que “no Brasil, a esquerda ganha eleições, mas não governa”. Isso é um embuste. O Brasil tem um partido de corte revolucionário no poder, pratica uma política econômica distributivista que já vem desde a era FHC (e mesmo de antes, do governo Sarney), com tributação escorchante e um magote de desocupados vivendo à custa de quem trabalha, um pleno viés socialista. O governo do Brasil é de esquerda, pois de esquerda são os partidos que compõem a base governante, pelo perfil operário de seu presidente, pelo fato de estar no poder a elite sindical que de fato manda no país.
Bresser diz que o governo Lula não é de esquerda porque não reduz a taxa de juros, como se o governo unilateralmente pudesse determinar esse preço tão fundamental. Há muitos elementos de determinação para o nível da taxas de juros praticadas, a começar pelo tamanho da dívida pública, pela irresponsabilidade fiscal acumulada ao longo de gerações, pelas muitas moratórias “soberanas” declaradas em passado não muito distante. Reduzi-las arbitrariamente seria jogar o Brasil em uma aventura de alto risco, como tem sido feito muitas vezes, inclusive na época em que o ex-ministro comandava o Ministério da Fazenda. O Estado pode muito, mas não pode tudo, muito menos abolir as leis econômicas.
Outra grande besteira escrita por ele é que “uma sociedade civil como a da Suécia é democrática, enquanto a do Brasil é elitista”. Qualquer governo de qualquer sociedade é elitista, pois sempre é uma elite que governa, um evidente pleonasmo. Há democracia quando há alternância nessa elite dirigente, pelo voto, a cada período. O problema é esse, que Bresser não enxerga: que a nossa democracia é de aparência, na medida em que não existe uma direita política eleitoralmente viável organizada no país. Aqui o engodo consiste na falsa alternância entre mais esquerda (PT) e menos esquerda (PSDB) e no passado, de qualquer combinação esdruxulo-intervencionista, tudo menos de direita ou liberal. De fato, temos uma falsa democracia porque o sistema partidário só contempla um lado do espectro ideológico.
“O desafio da esquerda, obviamente, não é implantar o socialismo, mas governar o capitalismo melhor do que os capitalistas”. Essa frase é lapidar. É a síntese do que está na boca dos que abraçam a social-democracia, aqueles que historicamente abrem alas para a passagem do bloco dos “verdadeiros” revolucionários. A lei de ferro da conquista do poder das esquerdas é que inevitavelmente ela tem que caminhar para a opção totalitária. A social-democracia sempre chega antes. Não basta às esquerdas a hegemonia parcial que o processo democrático garante. Tem que conquistar o poder totalitário. De passagem, é preciso lembrar que é um grande mito das esquerdas dizer que os capitalistas governam. Nunca foi assim. O Estado sempre esteve na mão da elite burocrático-política, não dos empresários, esses carneiros acovardados que são roubados cotidianamente pelo excesso de regulação e de impostos. Que são sistematicamente encurralados e humilhados pelo mais reles dos agentes estatais. Freqüentar uma DAMF é bastante ilustrativo e didático para saber que realmente manda por aqui. É lá que os empresários fazem a sua genuflexão ao deus Estado.
Ter uma burocracia apartidária virou um sonho há décadas, que a nossa plutocracia nem mais acalenta. Perdeu o Estado definitivamente, se é que algum dia o teve. No período varguista mandavam os agentes burocrático-políticos, que ainda tinham algum respeito pelos que produzem riquezas, pois a ideologia distributivista ainda não era dominante. A partir de 1964 a burocracia militar passou a ditar as regras diretamente. Na assim chamada Nova República houve uma mera substituição dos militares por burocratas civis, estes muito mais burros e mais revolucionários.
O artigo de Bresser Pereira pode ser considerado uma síntese das inverdades que habita a cabeça de grande parte da chamada social-democracia, mistificando e ocultando a verdadeira realidade da política nacional.
Este é um excelente artigo do Nivaldo Cordeiro, publicado pelo "Mídia Sem Máscara" em Janeiro último e editado por Freeman.
A pintura, que não podia ser mais apropriada, é de Candido Portinari - Os retirantes de 1944.