segunda-feira, novembro 17, 2008

O Estado corrompido...


EM OUTUBRO de 2002, o Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) emitiu uma resolução (315) determinando que, a partir de Janeiro de 2009, a quantidade de enxofre no diesel baixasse de 2.000 ppm para 500 ppm, quando vendido nas áreas não urbanas e, 50 ppm, quando vendido nas áreas metropolitanas. Nos EUA essa proporção é de 15 ppm; na Europa, de 10 ppm; e, em alguns países da América Latina, já é de 50 ppm.

O Conama determinou também que a indústria automobilística passasse a comercializar a partir da mesma data motores menos poluidores (Euro 4).
A resolução se deve ao terrível impacto que as partículas de enxofre têm sobre a saúde pública, sendo responsáveis por graves doenças pulmonares e pela morte prematura (sobretudo de crianças e idosos) de cerca de 3.000 pessoas por ano na cidade de São Paulo e de 10 mil nas principais regiões metropolitanas do país.

Embora tivessem quase sete anos para se prepararem, a Petrobras e a Anfavea (representando a indústria automobilística) declararam que não irão cumprir a resolução, apesar de a Petrobras possuir recursos financeiros e tecnológicos imensos e as indústrias automobilísticas fabricarem os motores da geração Euro 4 nos seus países de origem e mesmo no Brasil, só que apenas para exportação.

Ao assumir o Ministério do Meio Ambiente, Carlos Minc disse publicamente que seria inadmissível o descumprimento da resolução. Pouco a pouco, diante das pressões mudou de atitude e, em vez de continuar exigindo o cumprimento, enviou o caso para o Ministério Público.

A promotora Ana Cristina Bandeira Lins, encarregada de conduzir o processo, adotou inicialmente, em declarações e entrevistas, uma atitude firme pelo cumprimento integral da resolução. Pouco a pouco também se recolheu, passou a não atender a mídia, afastou qualquer contato com a sociedade civil, negociando basicamente com Petrobras, a Anfavea e Minc.

Diante da mobilização e pressão de várias organizações sociais que tentavam evitar um péssimo acordo, o ministro Carlos Minc se comprometeu a promover uma audiência pública com a sociedade civil antes da assinatura de qualquer acordo. Mas não cumpriu sua promessa.

A promotora Ana Cristina aceitou praticamente todas as propostas da Petrobras e da Anfavea (só em 2014 o diesel de 2.000 ppm será substituído pelo de 500 ppm - o mesmo que hoje já circula nas regiões metropolitanas) e impôs compensações pífias (doação de um laboratório e campanha educativa para regulagem de motores).

É muito provável que todos os leitores deste artigo e suas famílias terão a saúde afetada de alguma forma por essa decisão.

Desse episódio ficam algumas tristes conclusões e perguntas:

1 - Para quem tem poder político e econômico, descumprir a legislação ainda compensa no Brasil.

2 - Há empresas que confundem responsabilidade social com marketing, com patrocínios e ações filantrópicas, e ainda não entendem que a ética deve se estender a todas as suas atividades, de forma igual, e a todos os países onde atuam.

3 - Onde está a cúpula do Ministério Público?
Como pode uma promotora aceitar acordo tão lesivo à saúde pública? Ao aceitar esse acordo, só se incentiva o desrespeito à legislação; ao recusar qualquer diálogo com a sociedade civil, arranhou (mais uma vez) a imagem do Ministério Público, instituição importante para a democracia e a defesa dos cidadãos.

4 - O ministro Minc, por não cumprir a sua palavra e por se mostrar tão vulnerável a pressões, perde credibilidade, confiança e o respeito da sociedade. Não se confundem ações pirotécnicas e performances midiáticas com um real compromisso com o meio ambiente, a saúde pública e a ética profissional.

5 - O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, não deveria aceitar passivamente pagar a conta em doenças, vidas e recursos, mas exigir o cumprimento integral da resolução.

6 - Serão os cidadãos que pagarão pelas graves doenças pulmonares e pelas mortes resultantes do descumprimento dessa importante resolução (A Faculdade de Medicina da USP estima em U$ 400 milhões por ano o custo para o SUS, apenas na cidade de São Paulo).

7 - Infelizmente nada disso é novidade no Brasil. O Estado e suas instituições corrompidas só atuam eficazmente quando estão envolvidos os donos momentâneos do poder. Pavoneiam-se de defensores dos cidadãos quando, de fato, deles só se servem, para garantir as suas mordomias e suas imoralidades.

Esse acordo judicial foi, na realidade, uma sentença de morte para milhares de brasileiros e um estímulo à impunidade. A sociedade brasileira deve cobrar explicações e responsabilidade de quem patrocinou, participou, assinou e compactuou com essa lamentável decisão.

Publicado na Folha de S. Paulo Oded Grajew, 64, empresário, é um dos integrantes do Movimento Nossa São Paulo e presidente do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos. Conclusões editadas pelo Freeman.

Nenhum comentário: