quinta-feira, agosto 14, 2008

A conta da diplomacia lulista.



As últimas semanas foram marcadas por más notícias pa­ra a política exter­na brasileira. Os erros da equivocada política "altiva" fo­ram todos desnudados em público. Pode-se imaginar o desconten­tamento no Itamaraty com o impacto sobre sua reputação, quando arrogantes esquerdopatas metem os pés pelas mãos. E isso não começou ontem! As deficiên­cias estratégicas da política ex­terna têm sido visíveis desde que a trupe petista pôs os pés no Planalto. Nem mes­mo o mais chapa-branca dos colunistas conseguiu salvar a face do Ministério de forma convincente. Agora, a conta mesmo, será paga pela sociedade produtiva, não pela burocracia “altiva” e incompetente.

Durante quase seis anos, o foco da política externa brasileira repousou na aproxi­mação Sul-Sul, não por questões pragmáticas de ganho, mas pela questão ideológica, calcada no exa­cerbado ranço anti norte-ame­ricano.

Um dos pilares dessa estratégia seria a aproxima­ção com os países sul-america­nos até então excluídos do Mer­cosul. O outro pilar seria a intensificação das re­lações bilaterais com as econo­mias em desenvolvimento. No caso das grandes economias emergentes, especialmente China e Índia, também no pla­no multilateral, por meio da coalizão do G-20 na Organiza­ção Mundial do Comércio (OMC). O terceiro pilar, de lon­ge o mais meritório, e sintoni­zado com os interesses econômicos concretos do Brasil, se­ria a ação na OMC, incluindo a Rodada Doha e a solução de controvérsias. Os objetivos concretos a alcançar seriam: a ampliação do Mercosul" como contrapeso à proliferação de acordos bilaterais dos Estados Unidos na região; a reforma do Conselho de Segurança da ONU com assento permanen­te para o Brasil; a conclusão de Doha e a implementação das decisões relativas aos panels agrícolas.

Todos esses aspectos fo­ram afetados desfavoravel­mente pelo recente fracasso das negociações em Genebra e seus desdobramentos. A suces­são de infortúnios foi iniciada antes mesmo do começo da reunião ministerial, com a ga­fe do ministro Celso Amorim ao criticar a atitude dos países desenvolvidos, citando Jo­seph Goebbels, ministro da Propaganda na Alemanha na­zista, sobre, o uso da repetição como técnica de persuasão. O ministro estava até cer­to na substância. O próprio Ita­maraty tem longa tradição na arte de transformar derrotas memoráveis em vitórias re­tumbantes pela saturação dos meios de comunicação. O pro­blema é que a boutade ensejou a reação pretensamente ofen­dida dos negociadores dos paí­ses desenvolvidos, com direito a referências ao holocausto. O que poderia ser um ponto a fa­vor antes da partida se tornou um ônus a exigir desculpas.

As negociações em Genebra se concentraram, inicialmen­te, no equilíbrio entre conces­sões relativas a produtos agrí­colas por parte das economias desenvolvidas e concessões re­lacionadas a bens industriais por parte dos países emergen­tes. Acabaram por desembo­car em cabo-de-guerra entre os Estados Unidos e os gran­des países emergentes impor­tadores agrícolas, especial­mente a Índia. Os Estados Uni­dos resistiram a ir além de um teto máximo de US$ 14,5 bi­lhões para seus subsídios agrí­colas. A Índia insistiu na impor­tância de mecanismo de salva­guardas especiais (SSM, na si­gla em inglês) para a agricultu­ra que' permitisse tarifas maio­res do que as consolidadas (níveis máximos acordados multi­lateralmente) quando os volu­mes importados excedessem em 10% a média do triênio ante­rior. As negociações naufraga­ram diante desse impasse, antes que temas como subsídios ao algodão e cláusula da paz fos­sem abordados ou resolvidos.

Quando os Estados Unidos - após oferta inicial de teto nos subsídios de US$ 15 bilhões ­ofereceram redução de US$ 500 milhões, o Brasil, que não havia concordado com a Índia sobre SSM no G-20, aceitou a proposta. Na Argentina, falou­-se em traição, pois teria sido aceita excessiva redução de ta­rifas industriais. O negociador indiano saiu da reunião decla­rando que representava mais de cem países, citando o G-33, 'e não o G-20. O economista in­diano Jagdish Bhagwati, radicado nos Estados Unidos, fa­lou em 'traição reincidente do Brasil nas negociações multilaterais, minimizando os tradi­cionais excessos protecionistas indianos. As limitações do G-20, já detectadas por alguns desde 2003, ficaram claras. A diplomacia brasileira confundiu aliança tática contra os subsídios agrícolas dos desenvolvidos com aliança estratégica baseada em convergência de ob­jetivos de liberalização agrícola, que não tinha condições de vicejar.

Em meio ao rescaldo do fra­casso, após a volta ao Brasil, a veia histriônica do ministro das Relações Exteriores, Cel­so Amorim, voltou a se mani­festar. Ao comentar as possibi­lidades de ressuscitar a Roda­da Doha, o chanceler teceu con­siderações -sobre o temor de que viesse a ser necessário evento semelhante ao ataque terrorista ao World Trade Cen­ter em 2001 como incentivo à retomada de negociações ...

Para coroar, o presidente Lula da Silva foi à Argentina com uma comitiva de centenas de empresários pa­ra, inclusive, tentar remendar os arrufos genebrinos e encon­trou ... Hugo Chávez. Nem no âmago do Mercosul a diploma­cia brasileira tem condições de operar sem interferências indesejáveis.
Passadas três semanas fu­nestas, a diplomacia brasileira enfrenta desgaste sério em to­das as frentes. A acertada con­centração de esforços na OMC foi vitimada por impasse difícil de contornar. No processo de negociação, o Brasil viu o G-20 explodir, os demais países em desenvolvimento se alinha­rem à Índia e a Argentina ficar insatisfeita. Foi um strike completo, só que na direção errada! Depois de tantos equívocos, não vai ser sufi­ciente o presidente Lula insis­tir em dizer que Doha está vi­va...

O artigo original é do prof. Marcelo de Paiva Abreu, está significativamente editado pelo Freeman.

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