quinta-feira, agosto 23, 2007

A vocação do molusco.




“Minha amizade pessoal é uma coisa, questão partidária é outra, relação com adversários é outra. Mas tem gente que não pensa assim. Essa gente que não pensa assim fez a Marcha com Deus pela Liberdade em 1964, que resultou no golpe militar. Essa gente que não pensa assim levou Getúlio ao suicídio. Essa gente que não pensa assim, ficou contente com os 23 anos de regime militar e está incomodada com a democracia. Porque democracia pressupõe o pobre ter direitos.”
“Os que estão vaiando são os que mais deveriam estar aplaudindo, porque são os que mais ganharam dinheiro no meu governo. A parte pobre da população é que deveria estar zangada. É só ver quanto ganharam os banqueiros, os empresários. Não pensem que vão deixar o Lula dentro do gabinete. Estou realizando essa solenidade em lugar fechado porque é um ato institucional. Não estou fazendo comício. Mas se alguns quiserem brincar com a democracia, sabem que ninguém neste paiz consegue colocar mais gente na rua do que eu.”

Como podem ver o presidente da república é incoerente e contraditório em quase tudo, menos na arte de embaralhar as idéias para tirar proveito em seus discursos demagogicos e populistas. Ah! A outra coerencia sua é demonstrar, quase sempre sutilmente, a sua verdadeira vocação...
Neste discurso de 31 de Julho, além de preconceituoso, foi absolutamente leviano nas acusações aos seus críticos e, como todo medíocre, foi prepotente e autocrático ao traduzir-se como sinônimo da única força política válida no país.
Ao fim, depreende-se que o presidente da república está chamando para a briga quem se opõe a ele, carimbando com golpista os que usam a liberdade de expressão para o exercício do contraditório e do protesto, e dizendo-se capaz de organizar, nas ruas, o contragolpe.
Não foi possível alcançar o que o senhor Inácio da Silva quis dizer com “amizade pessoal é uma coisa, questão partidária outra e relação com adversários outra”. Seria importante obter o significado real da frase, porque ela serve de introdução a acusações de quem não “pensa assim”. E nós perguntamos: assim como, cara pálida? A respeito do que? De amizade, de partidos, de adversários?
Segundo ele, quem vaia, discorda e está insatisfeito merece a pecha de “essa gente” e ainda a acusação de ter levado Getúlio ao suicídio, marchado pelo golpe e compartilhado com a ditadura.
O presidente da república usa artimanhas de oratória de forma desmedida, incongruente e irresponsável.

Primeiro, porque via de regra, ele não sabe o que fala.
Segundo, porque o país é desmemoriado, iletrado e tampouco sabe direito do que ele fala.
Terceiro, porque vários dos seus aliados, gente que hoje “pensa assim” e o aplaude em troca de cargos, estiveram refestelados nos gabinetes do autoritarismo.
Quarto, porque Lula desrespeita o enorme contingente de pessoas que discordam dele e discordaram até mais do que ele da ditadura, cujos atos de governo já lhe serviram várias vezes como modelo de país, sendo a vocação para a supremacia do Estado sobre a sociedade apenas uma delas!
Quinto, porque boa parte “dessa gente” contribuiu para o retorno da democracia e, ao contrário do PT, participou efetivamente da transição, a começar por legitimar a via eleitoral – enquanto os sectários pregavam o voto nulo – e a terminar pelo apoio à candidatura de Tancredo Neves no colégio eleitoral de 1985, repudiado pelos petistas ao ponto de ter custado a expulsão de três deles.
Sexto, porque democracia não pressupõe só a garantia aos “direito dos pobres”, mas de todos os cidadãos. Muitos desses direitos, aliás, assegurados aos “pobres” na Constituição de 1988, na qual o partido de Lula recusou-se a pôr assinatura.
Sétimo, porque o fato de empresários e banqueiros estarem “ganhando dinheiro” no governo Lula, não os obriga a serem subservientes.
Oitavo, porque se acha que os ricos deveriam estar felizes e os pobres zangados, então confessa ter privilegiado alguém em detrimento de outrem.
Nono, porque tem medo de vaia sim. Pautado por ele absteve-se de abrir e encerrar os jogos Pan-Americanos. Como prova disso mandou cancelar viagens aos estados “mais oposicionistas” e reage a possíveis manifestações de protesto ao molde de Luiz XIV, como se “L’Etat”, no caso de Lula, fosse realmente “moi”.
Décimo, porque admite “brincar com a democracia” quando acusa os críticos de promoverem a brincadeira e, ao mesmo tempo lança o repto: “Ninguém neste país consegue colocar mais gente na rua do que eu”.
De fato, quando se tem nas mãos os instrumentos de um estado gigantesco e não se tem pudor em usá-los de forma patrimonialista, consegue-se tudo. Menos impedir as pessoas de pensar.






O artigo original é de Dora Kramer, foi editado pelo Freeman.

quarta-feira, agosto 22, 2007

Uma pequena nota de retorno...


Quando ficamos algum tempo fora do país podemos avaliar com melhor nitidez o que se passa com o Brasil.
Aliás, com os dois Brazis. O Brasil real e o Brasil oficial.
Além da natural saudade das pessoas e de lugares, pelo Brasil real ainda sentimo-nos orgulhosos da nossa privilegiada (embora expoliada) natureza e, no mundo corporativo, pelos executivos e empresários brasileiros, que se destacam, cada vez mais no comando de grandes e médias empresas no competitivo exterior.
Pelo lado “oficial” a situação é bem outra: tudo parece cada vez pior.
Por mais que não queiramos pensar ou falar no assunto, como refletimos instintivamente, as situações do cotidiano nos levam, inevitavelmente, a comparações entre o país visitado e o Brasil.
E aí que a porca torce o rabo e, se possível, procuramos não ser identificados como nativos do “país oficial” que é uma verdadeira vergonha nacional!
Só não enxerga quem não quer!